O futebol europeu está menos dependente do dinheiro das cotas relativas aos direitos de transmissão dos campeonatos. É o que mostra o Deloitte Football Money League, relatório elaborado pela empresa especializada em serviços de auditoria Deloitte, que, desde 2017/2018, analisa as finanças dos principais times do continente.
Com a ampliação dos acordos comerciais e também a reabertura dos estádios para os torcedores, que estiveram fechados em 2020 e parte de 2021 por conta da pandemia de Covid-19, o dinheiro da TV deixou de representar a maior fatia da receita dos gigantes do futebol da Europa.
Na temporada 2021/2022, a lista dos clubes mais ricos do continente foi encabeçada pelo Manchester City, seguido pelo Real Madrid. Em 2020/2021, 52% do faturamento do atual campeão inglês veio dos direitos de transmissão (€ 336 milhões).
Já em 2021/2022, as cotas de TV representaram 40% das receitas do City, caindo para € 294 milhões, movimento que não prejudicou o resultado financeiro do clube, que viu sua renda anual aumentar em € 86 milhões.
A análise dos números apontados pelo relatório mostra que faturar a maior quantidade possível de troféus relevantes na temporada pode contribuir positivamente para as receitas de uma equipe. Mas, sozinhos, títulos (e a exposição midiática que eles proporcionam) estão longe de garantir maior faturamento a uma agremiação.
Vários fatores influenciam faturamento
Outros fatores parecem ser tão ou mais decisivos para as finanças dos clubes. O Manchester City, que alcançou € 731 milhões em receitas ao longo de 2021/2022, conquistou a Premier League, considerada o principal campeonato nacional de futebol da atualidade, mas foi eliminado na semifinal da última Champions League.
Ainda assim, o clube inglês faturou € 17 milhões a mais que o Real Madrid, que além de ser campeão espanhol, também venceu a última Champions League, competição de clubes mais badalada do planeta.
A constatação de que títulos, por si só, não fazem clubes faturarem mais dinheiro fica evidente quando observamos o quarto colocado na lista, o Manchester United, que desde 2017 não conquista um troféu sequer e terminou a temporada passada da Premier League em sexto lugar, além de ter sido eliminado na Champions pelo Atlético de Madrid ainda nas oitavas de final.
No relatório, o Manchester United conseguiu ficar acima do Chelsea, oitavo no ranking, vencedor do último Mundial de Clubes da Fifa e que também chegou às quartas de final da Champions e terminou em terceiro lugar na temporada passada da Premier League.
Mais fontes de receitas
Algumas pistas podem ajudar a compreender melhor essa situação. Dos € 688,6 milhões que o United faturou em 2021/2022, € 308 milhões vieram de contratos comerciais e € 126 milhões das atividades de match day. Conforme explica uma coluna veiculada no ano passado pela Máquina do Esporte, esse termo diz respeito às receitas vindas da venda de ingressos, alimentos e bebidas, produtos do clube (licenciados) e hospitalidade, itens que são adquiridos diretamente pelos torcedores e associados nos dias de jogos.
Durante a pandemia, os clubes ficaram privados dessa fonte de renda relacionada aos jogos presenciais e também sofreram redução em seus contratos comerciais. Com a reabertura dos estádios, o Manchester United teve condições de fazer valer o poder midiático e publicitário de sua principal estrela à época, Cristiano Ronaldo, ser humano com maior número de seguidores no Instagram, onde acumula mais de 537 milhões de fãs. Se, no fim das contas, a segunda passagem do atleta por Old Trafford foi traumática e sem taças para ficarem guardadas na memória, no que diz respeito ao faturamento o clube não tem do que reclamar.
As receitas do United no ano passado foram € 120 milhões maiores que as do Chelsea, mesmo com o time de Londres recebendo € 23 milhões a mais que o rival em direitos de transmissão (€ 277 milhões dos Blues contra € 254 milhões dos Red Devils).
PSG foi um dos que mais cresceram
O crescimento da receita comercial também foi decisiva para os bons resultados do PSG, que viu suas receitas saltarem de € 556 milhões, em 2020/2021, para € 654 milhões na temporada passada. E a evolução positiva ocorreu mesmo com a queda no faturamento advindo da TV, que passou de € 202 milhões para € 139 milhões nesse período.
Em contrapartida, a renda dos contratos comerciais subiu de € 337 milhões para € 383 milhões. O match day é outro elemento relevante nessa somatória de ganhos, tendo contribuído com € 132 milhões para o PSG na temporada passada, contra apenas € 17 milhões em 2020/2021.
Também neste caso, o elenco estelar colabora para o êxito do PSG na esfera comercial e na mobilização de torcedores em dias de jogos. O time conta com os dois principais craques da Copa do Mundo do ano passado, Lionel Messi (eleito melhor jogador) e Kylian Mbappé (artilheiro), sem contar o brasileiro Neymar, terceiro homem mais seguido do Instagram.
E, embora em praticamente todos os anos o PSG venha ganhando o Campeonato Francês, na última edição da Champions o desempenho do clube ficou muito aquém do esperado, com o time sendo eliminado nas oitavas de final pelo Real Madrid. Nada disso, no entanto, impediu o clube de faturar muito na temporada passada.
Predomínio inglês
O relatório da Deloitte mostrou também que ser súdito de Sua Majestade Rei Charles III tornou-se uma vantagem competitiva e tanto no cenário europeu, quando o assunto é dinheiro. Ironias à parte, dos 30 clubes que mais faturaram no continente em 2021/2022 nada menos do que 15 são ingleses.
No G20 do ranking, estão 11 equipes da Premier League, situação que confirma o predomínio econômico do futebol da Inglaterra, principal destino dos grandes investimentos focados em futebol no planeta na atualidade.
Como comparação, a Espanha, apesar de emplacar o segundo colocado no ranking, tem somente três representantes na lista dos 20 times mais ricos da Europa. O Barcelona aparece apenas em sétimo lugar, com € 638,7 milhões em receitas, que, aliás, estão em níveis muito abaixo dos registrados quando o relatório começou a ser divulgado.
Na temporada 2017/2018, a equipe catalã faturou € 690 milhões, valor que subiu para € 841 milhões na temporada seguinte (época em que, por coincidência ou não, Messi era o astro absoluto da equipe). Em 2020/2021, auge da pandemia (e temporada em que o argentino saiu, rumo ao PSG), a renda anual do clube caiu para € 582 milhões.
O dado curioso é que o valor recebido pelo Barcelona pelos direitos de transmissão de seus jogos é 80% maior do que o que fatura o PSG nessa área. Contudo, o time francês ganhou em torno de € 16 milhões a mais durante o ano no total das receitas obtidas, por conta de estratégias bem-sucedidas em outros setores.
Futebol italiano
Apesar da melhora nas receitas de seus clubes, o futebol italiano continua a não ser nem a sombra do que foi nos anos 1980, 1990 e 2000, quando seus times, nadando em dinheiro, contratavam todas as principais estrelas do futebol mundial e faturavam as principais competições internacionais.
Em mais uma prova de que troféu não equivale necessariamente a mais dinheiro para o clube, o melhor desempenho dos times do país foi alcançado pela Juventus, 11ª colocada no ranking, com € 401 milhões em receitas obtidas em 2021/2022.
Isso representa € 97 milhões a mais que o faturamento da Internazionale e € 136 milhões acima da renda alcançada pelo Milan no mesmo período. O detalhe é que a Juventus terminou o Campeonato Italiano em quarto lugar e foi eliminada da última Champions League nas oitavas de final, diante do Villarreal (29º do ranking dos endinheirados da Europa em 2021/2022).
A Internazionale, atual vice-campeã da Serie A da Itália, também caiu nas oitavas da Champions na temporada passada, diante do Liverpool (terceiro colocado no ranking dos que mais faturaram em 2021/2022).
Já o Milan foi campeão italiano na última temporada. O troféu, porém, não serviu para que o time fosse páreo na disputa financeira com os maiores rivais.
Se o título, em si, não faz milagre nas receitas dos clubes, isso não significa que o bom desempenho nas competições, especialmente na Champions, não influencie os resultados das equipes. Em geral, aquelas que avançaram às fases decisivas da competição continental na edição 2021/2022, tiveram também melhor desempenho em termos de faturamento.
TV pesa mais para quem fatura menos
A perda de receita ocasionada por eliminações precoces (ou não participação) na Champions fica evidente quando analisamos os números dos três italianos mais bem posicionados no ranking.
As cotas de TV obtidas por Juventus (€ 175 milhões) e Internazionale (€ 177 milhões) em 2021/2022 ficaram bem acima dos € 146 milhões que o Milan recebeu dessa mesma fonte na temporada passada. Vale lembrar que os Rossoneri foram eliminados da última Champions ainda na fase de grupos, com uma vitória, um empate e quatro derrotas.
De um modo geral, os direitos de TV têm um peso maior para os clubes que faturam menos. Entre os que ganharam acima de € 400 milhões ao ano, apenas no Chelsea a participação chegou perto da metade (49%, para sermos exatos). Em todos os demais, o percentual ficou próximo de 40%, oscilando um pouco para cima ou um pouco para baixo. No caso do PSG, as cotas de televisão representaram apenas 22% da receita ao longo de 2021/2022.
Já entre os clubes que ganharam menos de € 400 milhões na última temporada, a participação dos direitos de transmissão na soma geral continua elevada. Nos casos de Leicester (17º, com € 252 milhões) e Newcastle (20º, com € 212 milhões), o percentual chegou a 70% do faturamento anual. A exceção solitária é o Borussia Dortmund (13º), em que o dinheiro da TV representou 41% dos € 357 milhões obtidos pelo clube em 2021/2022.