A recente convocação do atacante Antony para a seleção brasileira de futebol serviu para escancarar um velho problema, que muitos ainda insistem em ignorar ou mesmo naturalizar. O atacante revelado pelo São Paulo e que atualmente defende o Manchester United, da Inglaterra, é acusado de violência doméstica contra a ex-namorada, a DJ e influenciadora digital Gabriela Cavallin.
O caso eclodiu na mídia em junho, quando a vítima registrou um boletim de ocorrência contra o jogador e pediu medida protetiva devido às supostas agressões, que teriam ocorrido em maio. Isso não impediu que o técnico Fernando Diniz convocasse Antony para a seleção, que disputará os primeiros jogos das Eliminatórias da Copa do Mundo 2026 nos próximos dias.
Apenas depois que uma reportagem do portal UOL, publicada na última segunda-feira (4), revelou fotos, áudios e prints de mensagens ameaçadoras e ofensivas enviadas por Antony à namorada, é que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) optou por desconvocar o atleta.
Desde que as denúncias surgiram, Antony tem se deparado com dois tipos de reação nas redes, em especial no Instagram, onde conta com 11,1 milhões de seguidores. De um lado, muitas pessoas cobram explicações do atleta e o criticam por conta das acusações de agressão. Já de outro, não faltam aqueles que estão prontos a enaltecê-lo por seu talento com a bola, com direito até a alguns torcedores (e torcedoras) do São Paulo, que clamam por sua volta ao clube que o revelou. De sua parte, Antony tem publicado de maneira reiterada fotos com o filho, ou com trechos bíblicos, ou ainda relembrando suas origens humildes.
No futebol, é recorrente encontrar fãs apoiando ídolos envolvidos em situações de violência contra a mulher. Em 1987, quando os jogadores Cuca, Henrique, Eduardo e Fernando, do Grêmio, retornaram ao Brasil depois de terem sido presos na Suíça, acusados de estuprarem uma menina de 13 anos (fato ocorrido durante uma excursão do clube gaúcho à cidade de Berna), foram recebidos com festa por torcedores, que cantavam o hino do time e entoavam gritos com ofensas à vítima.
Todos seguiram normalmente com suas vidas no futebol. Apenas recentemente Cuca, que construiu uma carreira vitoriosa como técnico, passou a ser cobrado por esse caso, graças à mobilização de alas femininas das torcidas.
Neste ano, ainda assim, chegou a comandar o Corinthians por alguns dias, contando com o apoio do elenco masculino. O contrato com o treinador foi encerrado por conta da forte cobrança de parte da torcida e das críticas feitas por integrantes da equipe feminina do clube.
Hoje, ainda que consigam angariar simpatia de parte da sociedade, jogadores envolvidos em violência contra a mulher já não encontram diante de si apenas afagos e aplausos. Se é verdade que sempre haverá pessoas dispostas a pedir autógrafos e selfies para figuras como Robinho (condenado por estupro na Itália) e Bruno (goleiro que cumpriu pena pelo envolvimento no homicídio da mãe do próprio filho), também é fato que esses jogadores nunca mais conseguiram retornar aos gramados por causa da pressão de torcedores e patrocinadores.
Exemplos como Daniel Alves, que cumpre prisão preventiva na Espanha por conta de uma acusação de violência sexual, estão aí para demonstrar que a impunidade deixou de ser uma certeza para os ídolos do esporte.
Falta de diversidade
Na avaliação da advogada Marina Ganzarolli, presidente do Me Too Brasil, casos de violência doméstica e sexual envolvendo astros do esporte têm relação direta om o machismo e a falta de inclusão nesse universo.
Quanto mais você tem diversidade e equidade na alta liderança de uma empresa, por exemplo, mais você vai ver essa cultura se reverberar nas estruturas de base, na cadeia de valor daquele negócio. Quando olhamos para o esporte, também como uma estrutura de poder, vamos constatar que, por muitos anos, o apoio e o suporte foram voltados para o desenvolvimento da modalidade masculina, administrada e dirigida por homens. Então, não é à toa que nesse espaço impera o machismo preponderante.
Marina Ganzarolli, presidente do Me Too Brasil
Marina ainda observa que o esporte acaba, muitas vezes, refletindo um problema que já está presente na dinâmica social do país.
“É bom lembrar que o Brasil é o quinto país do mundo em feminicídio, o primeiro país do mundo em transfeminicídio. A cada dois minutos, existe um episódio de violência contra a mulher no Brasil. O esporte não está fora dessa realidade. Ele não está fora da realidade, e ele também não está fazendo nada para enfrentá-la. Porque se estivesse buscando mais equidade, mais diversidade, teria conseguido melhorar dentro do seu âmbito as estatísticas”, ponderou.
Em abril deste ano, em parceria com o canal Dibradoras, o Me Too Brasil lançou uma campanha contra o assédio sexual nos estádios, que conta com uma pesquisa em que torcedoras podem relatar a experiência vivida nas arenas esportivas do país e também sugerir medidas para tornar esses ambientes mais inclusivos e empáticos para as mulheres.
Mudanças estruturais
Marina defende mudanças estruturais no futebol, como forma de combater o machismo nesse ambiente.
“O primeiro passo é garantir, sim, a diversidade e a inclusão na alta liderança, nos conselhos, na administração dos estádios, para jogadores, para equipe técnica, garantir educação sobre respeito, sobre diversidade, sobre masculinidades para as categorias de base dos clubes. Desconstruir essa ideia de que o futebol é dinheiro, festa e mulher”, enfatizou.
A especialista também é a favor da criação de protocolos de segurança e acolhimento para as mulheres nos estádios. Ela ainda propõe a adoção de cláusulas claras contra assédio e violência doméstica nos contratos dos atletas e integrantes das comissões técnicas.
“Se o presidente de uma empresa é acusado de violência contra a mulher, seja ela sexual, física ou doméstica, ele será demitido por justa causa. Por que no futebol isso não acontece? Os protocolos de compliance, de ética e de integridade são diferentes para o futebol? Por quê?”, questionou.
Citado no início desta matéria, Antony segue ostentando em suas redes sociais a parceria com a marca de materiais esportivos Puma. E, por ora, o Manchester United não realizou nenhum movimento no sentido de rever o vínculo com o jogador, mesmo com as denúncias sendo investigadas pela polícia do Reino Unido.
A recente convocação do atacante Antony para a seleção brasileira de futebol serviu para escancarar um velho problema, que muitos ainda insistem em ignorar ou mesmo naturalizar. O atacante revelado pelo São Paulo e que atualmente defende o Manchester United, da Inglaterra, é acusado de violência doméstica contra a ex-namorada, a DJ e influenciadora digital Gabriela Cavallin.
O caso eclodiu na mídia em junho, quando a vítima registrou um boletim de ocorrência contra o jogador e pediu medida protetiva devido às supostas agressões, que teriam ocorrido em maio. Isso não impediu que o técnico Fernando Diniz convocasse Antony para a seleção, que disputará os primeiros jogos das Eliminatórias da Copa do Mundo 2026 nos próximos dias.
Apenas depois que uma reportagem do portal UOL, publicada na última segunda-feira (4), revelou fotos, áudios e prints de mensagens ameaçadoras e ofensivas enviadas por Antony à namorada, é que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) optou por desconvocar o atleta.
Desde que as denúncias surgiram, Antony tem se deparado com dois tipos de reação nas redes, em especial no Instagram, onde conta com 11,1 milhões de seguidores. De um lado, muitas pessoas cobram explicações do atleta e o criticam por conta das acusações de agressão. Já de outro, não faltam aqueles que estão prontos a enaltecê-lo por seu talento com a bola, com direito até a alguns torcedores (e torcedoras) do São Paulo, que clamam por sua volta ao clube que o revelou. De sua parte, Antony tem publicado de maneira reiterada fotos com o filho, ou com trechos bíblicos, ou ainda relembrando suas origens humildes.
No futebol, é recorrente encontrar fãs apoiando ídolos envolvidos em situações de violência contra a mulher. Em 1987, quando os jogadores Cuca, Henrique, Eduardo e Fernando, do Grêmio, retornaram ao Brasil depois de terem sido presos na Suíça, acusados de estuprarem uma menina de 13 anos (fato ocorrido durante uma excursão do clube gaúcho à cidade de Berna), foram recebidos com festa por torcedores, que cantavam o hino do time e entoavam gritos com ofensas à vítima.
Todos seguiram normalmente com suas vidas no futebol. Apenas recentemente Cuca, que construiu uma carreira vitoriosa como técnico, passou a ser cobrado por esse caso, graças à mobilização de alas femininas das torcidas.
Neste ano, ainda assim, chegou a comandar o Corinthians por alguns dias, contando com o apoio do elenco masculino. O contrato com o treinador foi encerrado por conta da forte cobrança de parte da torcida e das críticas feitas por integrantes da equipe feminina do clube.
Hoje, ainda que consigam angariar simpatia de parte da sociedade, jogadores envolvidos em violência contra a mulher já não encontram diante de si apenas afagos e aplausos. Se é verdade que sempre haverá pessoas dispostas a pedir autógrafos e selfies para figuras como Robinho (condenado por estupro na Itália) e Bruno (goleiro que cumpriu pena pelo envolvimento no homicídio da mãe do próprio filho), também é fato que esses jogadores nunca mais conseguiram retornar aos gramados por causa da pressão de torcedores e patrocinadores.
Exemplos como Daniel Alves, que cumpre prisão preventiva na Espanha por conta de uma acusação de violência sexual, estão aí para demonstrar que a impunidade deixou de ser uma certeza para os ídolos do esporte.
Falta de diversidade
Na avaliação da advogada Marina Ganzarolli, presidente do Me Too Brasil, casos de violência doméstica e sexual envolvendo astros do esporte têm relação direta om o machismo e a falta de inclusão nesse universo.
Quanto mais você tem diversidade e equidade na alta liderança de uma empresa, por exemplo, mais você vai ver essa cultura se reverberar nas estruturas de base, na cadeia de valor daquele negócio. Quando olhamos para o esporte, também como uma estrutura de poder, vamos constatar que, por muitos anos, o apoio e o suporte foram voltados para o desenvolvimento da modalidade masculina, administrada e dirigida por homens. Então, não é à toa que nesse espaço impera o machismo preponderante.
Marina Ganzarolli, presidente do Me Too Brasil
Marina ainda observa que o esporte acaba, muitas vezes, refletindo um problema que já está presente na dinâmica social do país.
“É bom lembrar que o Brasil é o quinto país do mundo em feminicídio, o primeiro país do mundo em transfeminicídio. A cada dois minutos, existe um episódio de violência contra a mulher no Brasil. O esporte não está fora dessa realidade. Ele não está fora da realidade, e ele também não está fazendo nada para enfrentá-la. Porque se estivesse buscando mais equidade, mais diversidade, teria conseguido melhorar dentro do seu âmbito as estatísticas”, ponderou.
Em abril deste ano, em parceria com o canal Dibradoras, o Me Too Brasil lançou uma campanha contra o assédio sexual nos estádios, que conta com uma pesquisa em que torcedoras podem relatar a experiência vivida nas arenas esportivas do país e também sugerir medidas para tornar esses ambientes mais inclusivos e empáticos para as mulheres.
Mudanças estruturais
Marina defende mudanças estruturais no futebol, como forma de combater o machismo nesse ambiente.
“O primeiro passo é garantir, sim, a diversidade e a inclusão na alta liderança, nos conselhos, na administração dos estádios, para jogadores, para equipe técnica, garantir educação sobre respeito, sobre diversidade, sobre masculinidades para as categorias de base dos clubes. Desconstruir essa ideia de que o futebol é dinheiro, festa e mulher”, enfatizou.
A especialista também é a favor da criação de protocolos de segurança e acolhimento para as mulheres nos estádios. Ela ainda propõe a adoção de cláusulas claras contra assédio e violência doméstica nos contratos dos atletas e integrantes das comissões técnicas.
“Se o presidente de uma empresa é acusado de violência contra a mulher, seja ela sexual, física ou doméstica, ele será demitido por justa causa. Por que no futebol isso não acontece? Os protocolos de compliance, de ética e de integridade são diferentes para o futebol? Por quê?”, questionou.
Citado no início desta matéria, Antony segue ostentando em suas redes sociais a parceria com a marca de materiais esportivos Puma. E, por ora, o Manchester United não realizou nenhum movimento no sentido de rever o vínculo com o jogador, mesmo com as denúncias sendo investigadas pela polícia do Reino Unido.